20 de maio de 2011

Sem garantia de novo teto, despejados de Nova Esperança (Aracruz) agora são ameaçados de 'deportação'

Século diário:
A operação de guerra montada pela prefeitura de Aracruz, em parceria com o governo do Estado, para retirar 330 famílias do loteamento Nova Esperança, no distrito de Barra do Riacho, foi só o começo de um longo processo de perseguições. A violenta operação policial - que é definida como bem-sucedida pela Polícia Militar – deixou 1,6 mil pessoas desamparadas, já que o poder público nada fez para dar assistência às famílias que perderam não só a moradia e a paz, sob uma chuva de balas de borracha e nuvens de gás, mas também móveis, eletrodomésticos, documentos e até remédios.
Ainda nessa quarta-feira (18), o secretário municipal de Habitação, Davi Gomes, anunciou mais uma retaliação contra as vítimas da violência: a deportação, algo inédito na história do País. Ele afirmou que as famílias que não sejam naturais de Aracruz serão devolvidas a seus locais de origem.
A ameaça provocou mais revolta entre as vítimas e muitas delas viram na ameaça do secretário uma total falta de preparo para ocupar cargos públicos, lembrando que Aracruz não é um país, com leis que permitam deportar cidadãos indesejáveis. Além disso, as famílias despejadas chegaram ao Estado, mais precisamente à Barra do Riacho, atraídos por promessas de trabalho nos empreendimentos instalados na região.
Comprova esta afirmação o fato de que, durante o conflito, a maioria dos homens do loteamento Nova Esperança estava em horário de trabalho em empreiteiras instaladas na região.
Antes de ocupar o posto, David Gomes foi presidente por 22 anos do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativas de Madeira de Aracruz (Sintiema), tendo sido afastado do cargo pelos próprios trabalhadores em assembleia geral da categoria, validada por uma decisão judicial, em janeiro deste ano.  O atual secretário é conhecido pela violência utilizada contra populações indígenas e quilombolas em conflitos que protagonizou a serviço da Aracruz (atual Fibria).
Após serem colocados na rua, os moradores do bairro, agora reduzido a escombros, não receberam qualquer assistência da prefeitura e foram para a quadra de esportes do distrito esperando que fossem disponibilizados, pelo menos, colchões para que passassem a noite. No entanto, não havia qualquer estrutura para atendê-los, restando aos moradores se organizarem para abrigar as famílias que não tinham condições de ficar em casa de parentes ou amigos.
O cenário no local, nesta quinta-feira (19), lembrava a verdadeira operação de guerra levada a efeito na véspera pela Polícia Militar, por meio armamento pesado, bombas de efeito moral, cavalaria, cães e um helicóptero. Ação complementada pela prefeitura com seus tratores. O que mais se comentava também era o fato de as grandes vítimas da truculência terem sido, crianças e idosos. Esperava-se que pelo menos algum apoio às vítimas fosse dado pela prefeitura, como médicos, assistentes sociais, psicólogos e pessoal do Conselho Tutelar. Nem mesmo uma ambulância foi enviada para atender os moradores vitimados pela violência policial.
A tragédia só não foi maior porque os moradores realizaram uma ocupação pacífica, não usando mais que seus corpos para se defender. Apesar disso, tiveram de lidar com a truculência dos policiais, que os trataram como criminosos, travando uma batalha desproporcional que feriu somente os moradores.
A destruição do bairro ocorreu menos de 30 dias depois da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), proposto pela Promotoria de Aracruz, que dava à prefeitura prazo de 30 dias para apresentar zonas especiais de interesse social vazias, que comportassem as famílias da comunidade da Portelinha, localizada na sede do município. Nessa ocasião, o secretário estadual de Governo, Robson Leite, enviado para tentar negociar com os moradores, demonstrou publicamente que o Executivo não estava interessado em dar apoio aos moradores.
Além disso, a área de 52.000 m², onde estava localizado o loteamento Nova Esperança, seria destinada à construção de obras do programa federal de habitação Minha Casa, Minha Vida e só foi ocupada pelas famílias há mais de um ano depois do descumprimento de um acordo feito entre prefeitura e comunidade. O acordo previa a construção das casas do programa, mas o convite licitatório para as obras foi retirado às vésperas do certame, fazendo com que os moradores se instalassem no local. Pelo programa, o município, cujo prefeito, Ademar Devens (PMDB), ficou sete meses afastado por suspeita de fraude em licitação, recebeu uma gorda verba federal para a construção de casas populares, bem como para a licitação das obras.
A reivindicação, na época, era que os moradores assentados, a maioria desalojados do distrito da Barra do Riacho, tivessem prioridade nos cadastros para o programa. No entanto, nesta quinta-feira (19) foram abertas as inscrições para o cadastro, mas os moradores que tiveram as casas destruídas sequer foram avisados oficialmente.
A habitação é um problema crônico no município que nunca teve investimento em casas populares. Em contrapartida, interesses econômicos facilitam a instalação de empreendimentos de grande porte que não trazem retorno para a comunidade, como o estaleiro Jurong, construído em terreno doado pela prefeitura no valor de R$ 25 milhões.
Davi Gomes
Representantes do Sintiema, sob o comando de Davi Gomes, foram responsáveis por atacar violentamente índios que lutavam pela demarcação de terras indígenas na área da ex-Aracruz (atual Fibria). Em 2006, a violência se acirrou em Aracruz (principalmente quando os índios ocuparam pacificamente o Portocel) com a compreensão e o apoio de trabalhadores do porto, e os representantes do Sintiema, a serviço da Aracruz, mobilizaram centenas de homens para agredir índios e agentes de apoio ao movimento.
Esses homens e suas lideranças foram responsáveis por uma manifestação pública de apoio à usurpação das terras indígenas pela Aracruz que paralisou o Centro de Vitória naquele ano. Na ocasião, mais de 500 homens com carros de som eram liderados por Davi Gomes, que incitava a violência contra os índios.
Na ocasião da ocupação do Portocel, os milicianos do setor extrativo de madeira não quiseram conversar e partiram para cima dos indígenas com violência, independentemente de idade e sexo. Além disso, ameaçaram expulsar os índios do porto pela força. O deputado Claudio Vereza (PT) se recusou a participar do movimento de expulsão dos indígenas e também foi agredido. Os representantes do Sintiema deram quatro chutes na cadeira de rodas do deputado.

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