15 de fevereiro de 2011

Adeus ao Real

A escolha entre o realismo e o relativismo não é óbvia, nem fácil, mas cada um de nós já fez sua escolha, ainda que não tenha tomado conciência disso. Essa escolha determina a possibilidade de todos os nossos atos, mas é, na maioria das vezes, inconciente. Para alguns filósofos, há indicações de que vivemos em uma fase de transição. Esse momento foi expresso pelo filósofo alemão Martin Heidegger (1890-1976) através da frase "Chegamos tarde demais para os deuses e cedo demais para o Ser" (Da Experiência do Pensar - 1947). Com essa frase enigmática, ele queria dizer que é a hora de dizer "adeus ao real" único, mas hesitamos. Parece que as pessoas perderam a fé nas verdades absolutas (os deuses), mas ainda não estão preparadas para lidarem com o Ser, ou seja, a multiplicidade infinita de interpretação do real. Por não sabermos lidar com a pluralidade de sentidos do real, acabamos considerando que nada é verdadeiro, ou que a única verdade absoluta é o nada. O bombardeio de informações desconectadas a que somos submetidos atualmente pelas mídias de massa nos leva a desconfiar de que a realidade na qual costumávamos acreditar não tem tanta consistência, mas em vez de nos libertarmos da exigência de um terreno fixo, permanente e sólido, logo buscamos alguma outra verdade que sirva de substituto, a "verdadeira realidade" por trás daquela que se mostrou falsa. Viver em um momento de "não mais verdades absolutas" e ainda "não verdades múltiplas" pode ser tanto uma grande aventura como gerar uma forte angústia. Alguns filmes norte-americanos recentes retratam essa ambigüidade, tais como O Show de Truman (1998), Clube da Luta (1999), 13º Andar (1999) ou Matrix (1999). Admitir a possibilidade de existirem outras realidades não é fácil, e talvez não muito cômodo, mas significa aceitar o fato de que ninguém é "dono da verdade", e que portanto, todas as perspectivas da realidade, todos os ideais, merecem serem considerados, e possuem o seu direito de existir.

Cena do filme Matrix, em que as estruturas das paredes de um prédio se revelam como simulação digital.
No filme vemos o hacker Neo (Keanu Reeves) passar pela experiência de descobrir que o mundo em que vive é só uma ilusão criada por uma rede de computadores dotada de inteligência artificial. Por trás do mundo das aparências, Neo descobre um mundo verdadeiro, em que seres humanos são aprisionados em cápsulas e usados como fonte de energia por máquinas hostis. Suas mentes são estimuladas por programas de computador, que as fazem acreditar estarem vivendo em uma outra realidade, enquanto seu corpos estão em um estado de hibernação contínua. "Bem-vindo ao deserto do real", é a saudação do líder da resistência Morpheus (Laurence Fishburne). Em outra cena do filme, um dos cyber-anarquistas, Cypher (Joe Pantoliano), trai seus companheiros e justifica-se com o seguinte argumento: mesmo sabendo que a carne que comia em um restaurante na Matrix era ilusória, ele preferia viver em um mundo falso, mas colorido e prazeiroso, do que ser forçado a perambular por um mundo verdadeiro, mas desértico. O primeiro episódio de Matrix segue, então, o princípio realista de que "as aparências enganam". Do ponto de vista do relativismo, o engano é acreditar que haja alguma coisa por trás das aparências.
O filme Matrix nada mais é do que a reinvenção de uma história antiga, escrita há cerca de 2500 anos atrás. Trata-se da "Alegoria da Caverna", descrita por Platão no capítulo VII do seu livro " A República". Para contornar a resistência daqueles que só acreditam no que podem ver e tocar, Platão propõe uma cena trágica. Imagine que vários homens estão presos desde o nascimento, acorrentados no fundo de uma caverna. Na parede da caverna, diversas figuras se movem, e os homens as tomam como coisas reais, concretas. Eles discutem entre si as melhores teorias para explicar o comportamento das figuras. Um certo dia, um dos prisioneiros consegue se libertar e, ao sair da caverna, descobre que as tais figuras eram apenas as sombras das árvores que ficavam em frente a entrada da caverna. A verdadeira realidade estava do lado de fora. Deslumbrado com o novo mundo que acabara de descobrir, o homem volta à caverna para contar aos seus companheiros que estes vivem em ilusão. Mas eles não acreditam, pois preferem crer naquilo que seus sentidos podem perceber.

Fonte: http://mcgablercosmologia.blogspot.com/

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